Alfred Hitchcock, um gourmet com apetite macabro

Publicado em: 1 dez 2016

“Certos filmes são fatias de vida, os meus são fatia de bolo”

Alfred Hitchcock

Alfred Hitchcock, um gourmet com apetite macabroPensar na relação de Alfred Hitchcock com a comida pode parecer estranho, e realmente é. Quem teria o apetite aguçado durante um elegante jantar servido sobre um grande baú que escondia um corpo? Para o mestre do suspense este era o clima perfeito para uma cena de cinema.

Filho de um vendedor de frutas e verduras, Hitchcock chegou a trabalhar como entregador do mercado da família, localizado Leytonstone High Road, East Side de Londres, região que deu origem a figuras como Jack, o estripador. Diz a lenda que, durante a infância e juventude, era comum presenciar, à mesa, conversas entusiasmadas sobre morte e assassinatos. Tempos depois, o diretor manteve a tradição familiar e passou reunir-se à mesa com os roteiristas que levavam ideias para novos filmes, que deveriam fazer as suas apresentações oralmente, em longos jantares.

Durante toda a vida foi um gourmet diferenciado. Adorava comer e beber do melhor e deixou registrado em seus filmes momentos memoráveis ​​onde comida e bebida serviam de pano de fundo para os momentos tensos de suas tramas.

Se vivesse nos dias atuais, Sir Alfred Joseph Hitchcock postaria sobre seus filmes usando hashtags como gourmet ou foodie. Apaixonado por luxuosas refeições, pelos bons vinhos e pelos pratos preparados por sua mulher, Alma, ele pincelou essa paixão nas entrelinhas de sua obra. Adorava temperar seus filmes com sabores, e a comida entrava em cena em situações variadas. Pratos, drinks e boas doses de conteúdo etílico desempenharam um importante papel de apoio em suas tramas, seja como um instrumento de sedução, um disfarce perfeito ou um momento ameaçador e sombrio.

Banquete na tela

logoconfrerietastevin Em Interlúdio (Notorious, 1946) o vinho entra em cena para marcar o ponto de partida da trama. Durante uma festa regada a champagne e boa comida, uma garrafa de um Pommard 1934, famoso vinho da Borgonha, cai de uma prateleira e se espatifa no chão. A paixão de Hitchcock e o hábito de inseri-los em cenas de seus filmes, fez de Alfred Hitchcock um dos maiores promotores de vinhos da Borgonha e lhe rendeu um convite para fazer parte da Chevaliers du Tastevin, a mais renomada confraria de vinhos do mundo. A cerimônia de sua adesão à confraria aconteceu no Château du Clos de Vougeot localizado na rota dos vinhos da Borgonha, no vilarejo de Vougeot.

À mesa com Alfred Hitchcock
Diretor viveu uma compulsiva relação de amor pela comida e temperou seus filmes com banquetes luxuosos, vinhos caros e comida estranhas.

Dono de um paladar completamente eclético, Hitch lambia os beiços ao ver um prato com foie gras, mas também não abria mão de coisas simples como batatas fritas, um farto entrecôte, sorvetes cremosos e da tradicional Quiche Lorraine, uma de suas iguarias prediletas Um de seus drinks favoritos era o simples e elegante Mimosa, feito com champanhe, laranja e um toque de licor Triple Sec.

Em Frenesi (Frenzy, 1972), um serial killer viola e mata mulheres no bairro de Convent Garden, cenário da infância do diretor. Nele, a comida e a morte aparecem lado a lado, com direito a um cadáver é escondido em um caminhão de batatas. Em outro momento, um detetive degusta com má vontade os pratos esquisitos, e nada saborosos, preparados por sua mulher.

to-catch-a-quicheAté mesmo os alimentos que não agradavam ao paladar do diretor conseguiram uma pontinha em alguma produção. Em Ladrão de Casaca (To Catch a Thief , 1955), a mãe de Grace Kelly apaga seu cigarro na gema do ovo servido como café da manhã. Sir Hitchcock literalmente detestava ovos. Mais adiante, o bon-vivant e ex-ladrão de joias John Robie (Cary Grant), serve uma fatia de quiche lorraine para seu convidado John Willians (H.H. Hughson), representante legal da Lloyds seguradora de Londres.

A lagosta em Janela Indiscreta

Em Janela Indiscreta (1954) uma lagosta ao molho de champanhe divide a cena com Stella (Grace Kelly), que encomenda o prato no Club 21, um dos mais famosos restaurantes de Nova York. O prato é servido para o fotógrafo Jeff (James Stewart) com uma taça de vinho Montrachet, outra estrela da Borgonha. No dia seguinte, um café da manhã com bacon e ovos também tem seu momento de glória. Ao degustar seu breakfast, o fotografo elogia o prato: “Stella, está ótimo! Seu marido é um cara de sorte! “ .

“Comida é o único substituto para o sexo”

A comida tinha funções variadas para o gênio do suspense, e sempre representava um elemento relevante dentro da trama. Foi usada como um objeto de sedução, um trunfo ou um pano de fundo de algo sombrio e ameaçador. Em Topázio (1969), um simples sanduíche de presunto esconde uma câmera fotográfica, e um frango é recheado com um instrumento de espionagem.

Longe das telas, ele também tinha suas manias gastronômicas. Adorava pregar peças nos amigos e, certa vez, organizou um jantar todo tematizado em tons de azul. Para atender à excentricidade do gorducho, frango, sopa, peixe, bebidas, tudo em azul. Por quê? Porque adorava ver a cara das pessoas quando surpreendidas por algo inusitado.

Alfred Hitchcock

Compulsivo, comia três grandes bifes no jantar e finalizava a refeição com três taças de sorvete e um bule de chá. Certa vez, a comida esteve presente até em seu discurso de agradecimento ao receber um importante prêmio. Na ocasião declarou: “Faz tempo que dei conta que o homem não vive só de assassinato. Necessita de afeto, aprovação, ânimo e, de vez em quando, uma boa dose de farta comida”.

Que tal um passeio por algumas cenas “comestíveis” dirigidas pelo mestre do suspense?

https://www.youtube.com/watch?v=L-6aVWv_RIw

O vídeo abaixo é um projeto de graduação de alunos da University of Applied Sciences and Arts, de Hannover, criado em 2011. Batizado como The Ultimate Hitch Cookbook”, é um livro animado contendo as receitas presentes nos clássicos de Alfred Hitchcock. Lindo demais!