A ideia deste texto surgiu por acaso, quando numa playlist qualquer do meu Spotify apareceu Jorge Benjor cantando a história “do amor do príncipe Shah Jehan pela princesa Mumtaz Mahal”.
Ele foi governante e imperador do Império Mugall de 1628 e 1658, e construiu o Taj Mahal em homenagem à esposa que morreu ao dar à luz ao 14o. O herói em questão era famoso por ostentar mais que um cantor de funk… e eu pensei: o que comeria esse poderoso governante? Como seriam os banquetes reais naquela época? Foi assim que descobri esta historia.
O Império Mugal chegou a dominar quase todo o subcontinente indiano. Mugal deriva de mongol e indica a ascendência direta de Gengis Khan. Esse império foi fundado em 1526 e só foi extinto em 1857 pelo poderio britânico. Em seu auge ele foi possivelmente o Estado mais rico, sofisticado e poderoso do planeta; tinha uma população estimada entre 110 e 130 milhões de habitantes, distribuída em um território de mais de quatro milhões de km², situados no atuais Paquistão, Afeganistão e Bangladesh e Índia. Em seu auge, tinha uma administração sofisticada, harmonia entre as culturas locais, uma economia forte e grandes investimentos nas artes e na arquitetura. O imperador também tinha fama de bom gourmet.
E a comida?
Antes de ser servida, toda comida era provada pelo ‘provador de comida’ que verificavam a presença de veneno. Por conta da segurança dos governantes, o gerenciamento da cozinha era feito por pessoas de extrema confiança. Primeiro, os cozinheiros e Bakawals (oficiais de grande competência) provavam os pratos e depois um superior colocava um selo em todas as preparações enviadas à sala de jantar real.
Antes das refeições era hábito recitar o “Bismillah-ir-Rahman-ir-Rahim”, o primeiro verso do primeiro capítulo do Alcorão que prega a de iniciar todas as tarefas em nome de Allah (Deus) e que uma pessoa que começar qualquer tarefa pronunciando o nome de Deus (com sinceridade em seu coração), receberá apoio e socorro de Deus; Deus abençoará seus esforços e o protegerá das maquinações e tentações de Satanás. Sempre que o homem se voltar para Deus, Deus se volta para ele também.
As refeições diárias geralmente eram servidas por eunucos, mas uma elaborada cadeia de comando acompanhava a comida à mesa. O hakim (médico real) planejava o menu, certificando-se de incluir ingredientes benéficos à saúde. Por exemplo, cada grão de arroz era revestido com óleo de prata para ajudar na digestão e atuar como um afrodisíaco. Os grânulos de ouro e prata também eram misturados na refeição das galinhas, cabras e ovelhas, com o propósito de que suas propriedades medicinais fossem transmitidas posteriormente aos comensais.
Ao final das refeições, todos se prostravam diante de Deus. A rainha principal, esposa preferida do Imperador, geralmente presidia a refeição, embora os residentes do harém estivessem livres para comer em seus próprios aposentos, a menos que o imperador se juntasse a eles em alguma ocasião especial. E as mulheres terminavam suas refeições com a exclamação, “Shukr Allah” (Agradeço a Deus).
Outro aspecto importante da comida Mugal, eram as frutas. Eles amavam mangas, melões, além de maças e uvas, que descobriram ser possível cultivar na Índia. A cozinha Mughal é marcada por vários tipos de influências: iranianos, afegãos e persas, misturados com Caxemira, Punjabi e um toques de vários lugares do centro e sul do país.
Segundo as tradições do povo Mugal, os alimentos eram um belo presente a ser oferecido e, para isso, existiam regras e uma etiqueta diplomática. Os brindes e a partilha de alimentos poderiam em vários momentos transmitir mensagens de amizade e boa vontade, status e poder. A localização, a ocasião, o modo de apresentação e a natureza dos alimentos deveriam ser observados antes de se transformarem em um presente.
Um detalhe curioso: eles cozinhavam com água da chuva misturada com água trazida do Ganges. Bem, aqui nenhum comentário sobre a água do Ganges que, naquela época, devia sem bem mais limpa. Nenhum comentário a fazer… rs
Dias de prisão e nenhuma fartura
Seus últimos dias foram tristes e trágicos. Com a velhice e a saúde fraca, Shah Jahan presenciou um impetuoso o surto de hostilidade entre os filhos. Aurangzeb, filho mais velho, ocupou seu lugar e decidiu manter o pai em prisão privada, no forte de Agra, de onde ele passou seus últimos seus anos olhando Taj Mahal pela janela e relembrando sua história de amor. Sua filha mais velha, Jahanara Begum, acompanhou voluntariamente o pai e cuidou dele na velhice.
Diz a lenda que Aurangzeb ordenou ainda que seu pai tivesse direito de comer apenas a um vegetal ou outra comida de sua escolha. Confinado e sem escolhas, ele optou por grão-de-bico, pois poderiam ser cozidos de muitas maneiras diferentes. Até hoje, um dos pratos mais famosos da cozinha do norte da Índia é Shahjahani Daal, uma criação magnífica, feito com grão-de-bico cozido em um molho de coentro, coco, gengibre, pimenta e outras especiarias.
Shah Jahan morreu em 22 de janeiro de 1666. Seu corpo foi enterrado no Taj Mahal, ao lado de sua amada esposa Mumtaz Mahal
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